Contribuições seguiram para a etapa estadual, em Manaus, e integrarão o documento único que os povos indígenas levarão como contribuição coletiva à COP30
Nos dias 16 e 17 de setembro, a Casa do Saber da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira (AM), recebeu a etapa Rio Negro da Pré-COP Parente, encontro que reuniu cerca de 100 lideranças indígenas Rio Negro. Com a presença da ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, o seminário abriu espaço para debates sobre territórios, políticas climáticas e a participação indígena na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro, em Belém.
O ciclo é realizado em parceria com a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o MPI.

Durante dois dias de programação, foram discutidos temas como ameaças e defesa dos territórios, crise climática, créditos de carbono, fundos de financiamento climático, sociobioeconomia e sustentabilidade. As lideranças também aprofundaram reflexões sobre o papel das ciências indígenas na mitigação e adaptação às mudanças climáticas e sobre a necessidade de ampliar a presença dos povos indígenas nos espaços de decisão em nível estadual, nacional e global.
Dario Baniwa, presidente da Foirn, apresentou um panorama sobre o contexto territorial do Rio Negro, destacando avanços conquistados pelas comunidades, como as iniciativas de turismo de base comunitária, a Casa de Artesanato Wariró – fruto da organização das mulheres indígenas –, os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e a criação do Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), mecanismo voltado para apoiar a implementação desses planos.

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Ele também alertou para os desafios que ameaçam a região, como o garimpo ilegal, o tráfico de drogas, a morosidade na demarcação de terras e os impactos das mudanças climáticas. Dário destacou a importância do evento como “um momento de diálogo, escuta e de trazer nossas demandas, para que as lideranças não apenas levem as discussões à COP, mas também retornem aos territórios e comunidades, compartilhando as informações com os parentes que ficaram”.
O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, chamou atenção para os impactos de propostas legislativas que fragilizam os direitos indígenas e colocam em risco a proteção territorial. Ele citou projetos como o chamado “PL da devastação” e o PDL 717/2024, que dificultam ainda mais os processos de demarcação de terras, reforçando a necessidade de fortalecer a mobilização e a articulação política para garantir a integridade dos territórios e os direitos constitucionais dos povos indígenas.
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A ministra Sonia Guajajara, em sua apresentação, destacou o caráter preparatório da Pré-COP Parente e reforçou que o ciclo de encontros, que tem percorrido todos os biomas, tem justamente o objetivo de escutar as lideranças, reunir propostas e fortalecer a presença indígena na COP30. “É uma honra voltar aqui no Rio Negro e neste momento enquanto ministra de Estado dos Povos Indígenas trazendo esse tema da Conferência do Clima. Um tema que é tão real no dia a dia, nas nossas comunidades, nossos povos que já sentem esse impacto das mudanças climáticas”, afirmou a ministra.
Ela ressaltou que a crise climática afeta de forma desigual diferentes regiões e povos, mas que todos já percebem os efeitos do aumento da temperatura e das alterações nos regimes de chuva, o que torna urgente a construção de respostas conjuntas.
A ministra também reafirmou o compromisso do governo em garantir paridade na participação nos espaços de discussão e decisão, defendendo o protagonismo indígena e a paridade na participação entre homens, mulheres, jovens e anciãos. Segundo ela, assegurar equilíbrio na composição das mesas e painéis é essencial para que diferentes visões e cosmovisões indígenas estejam representadas, fortalecendo a contribuição dos povos na construção de soluções para a crise climática.

Carta de Direitos Climático das Juventudes do Rio Negro
Um dos momentos simbólicos do encontro foi a participação da juventude indígena. A coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens da Foirn Jucimeyre Garcia fez a entrega simbólica da Carta de Direitos Climáticos das Juventudes do Rio Negro à ministra Sonia Guajajara. Construído coletivamente, o documento elenca dez propostas prioritárias para efetivar os direitos climáticos nos territórios da região e ainda passa por ajustes finais antes da entrega oficial.
A carta é fruto de encontros e grupos de estudos sobre justiça climática e racismo ambiental conduzidos em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e reforça a importância da juventude indígena como protagonista nas lutas por políticas climáticas mais justas e inclusivas.
Num segundo momento, reunidos em grupos de trabalho, as lideranças debateram as demandas territoriais dentro dos eixos prioritários de Direitos Humanos, Ambientais e Territoriais; Fundos de Financiamento Climático; Sociobioeconomia e Sustentabilidade; e Participação Indígena na COP30.

As discussões deram origem a uma carta que reafirma os territórios indígenas como resposta concreta à crise climática. “Por milênios, os povos indígenas do Rio Negro vêm manejando a floresta com sabedoria, mantendo a biodiversidade, cuidando dos rios e garantindo o equilíbrio ambiental essencial para toda a humanidade”, destaca o documento.
Entre as propostas apresentadas, as lideranças defendem que a demarcação das Terras Indígenas seja tratada como uma estratégia estruturante de mitigação e adaptação climática. Destacam a necessidade de que o governo brasileiro inclua metas claras e prazos definidos no compromisso climático nacional (NDC) e que essa agenda seja reconhecida como essencial para a integridade dos ecossistemas e da vida no planeta. Também, reivindicaram que a proteção das terras já demarcadas seja reforçada com maior presença do Estado para fiscalização e monitoramento, especialmente nas áreas de fronteira, diante das pressões que ameaçam a região, como narcotráfico e garimpo ilegal.
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Outro ponto central foi a garantia de financiamento direto às organizações indígenas, sem a necessidade de intermediários e de forma simplificada e desburocratizada, facilitando o acesso pelas associações de base. A reivindicação é que de 20% a 50% dos recursos de fundos climáticos, nacionais e internacionais, como o Fundo Amazônia e o TFFF (Tropical Forests Forever Facility) – proposto pelo Brasil para recompensar países que conservam suas florestas tropicais – sejam destinados a iniciativas protagonizadas pelos povos indígenas. A valorização de mecanismos próprios de gestão, como o Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), além de salvaguardas que assegurem que os recursos cheguem de forma transparente e eficiente até as comunidades, também foram pontuados.

As lideranças também reforçaram a importância de fortalecer os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) já existentes e de criar políticas públicas específicas para sua implementação. A revogação de leis e projetos que fragilizam os direitos constitucionais indígenas e a proibição da mineração em terras indígenas também foram medidas pontuadas para garantir a integridade cultural e ambiental dos territórios.
A carta final ainda destacou a necessidade de reconhecer as ciências e tecnologias indígenas como parte das soluções globais para a crise climática, defendendo que seus conhecimentos sejam tratados em igualdade com as tecnologias convencionais, com incentivo a pesquisas conduzidas por indígenas, valorização das medicinas tradicionais e fortalecimento de espaços como as Casas do Saber, que promovem a transmissão intergeracional de saberes.
Outro eixo relevante foi o das economias sustentáveis e da soberania alimentar, com propostas de investimentos no fortalecimento da agricultura tradicional, do manejo comunitário e de cadeias produtivas como a pesca, o artesanato e o turismo de base comunitária.
A educação indígena diferenciada também entrou como parte da agenda climática como política estratégica para a justiça social e climática, com escolas e universidades indígenas fortalecidas, currículos próprios, bilíngues e adequados à realidade de cada povo. Além disso, destacaram a importância da formação continuada de professores e da valorização das línguas indígenas como forma de preservar conhecimentos ancestrais.
Por fim, o documento reafirma a urgência de ampliar a representação indígena nos espaços de decisão internacionais, garantindo a presença de mulheres, jovens e anciãos e criando um comitê próprio para monitorar e incidir sobre as decisões da COP30.